Poema da semana




ESTÁTUA DA ALAMEDA

hoje, é triste a alameda onde em criança tive uma visão,

está deserta, com isto dizendo

fico sem saber quem mais entristeceu: a alameda ou eu?

a capela em ruínas; o muro de juncos,
também;

e descubro num plátano isolado

vestígios do nome que gravei no desespero de minha mãe;

está deserta a alameda onde em criança o sonho deixei,

que canteiro o preserva, que nome lhe dei?

é a mesma alameda deserta e triste,

eu é que mudei, roubado o ímpeto de marcar árvores,

o demorado hábito em ler as placas de cobre

com versos meio apagados de poetas mortos.

hoje, o céu não é o lápis-lazúli de Nobre,

nem violinos ao gosto de Verlaine;

é véu de viúva o céu,

e até o relógio de sol parece em luto,

chorando o pranto da estátua decepada

onde em menino vi meu rosto: velha a pele, acobreada.

porque regressei à alameda? Antes

os laranjais onde mora a luz sem o desassossego

de ver se algum dos plátanos morreu.

hoje, quem será mais triste: a alameda ou eu?


Ivo Machado, Praia do Corgo, 7 de Outubro de 2003


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