À
semelhança do que aconteceu no ano passado, os alunos das turmas 10.º 6, 10.º 7, 11.º 4
e 12.º 5, do Curso de Artes, orientadas pelo professor Francisco Martins, já
expuseram, na Biblioteca da Escola Básica e Secundária Tomás de Borba, os seus
trabalhos, realizados no âmbito da atividade “Vamos Pintar a Poesia”.
A exposição permanecerá na Biblioteca da escola durante todo o mês de maio e,
nela, será possível apreciar uma articulação harmoniosa
entre a Pintura e a Poesia, que contribuirá para o deleite dos amantes destas
duas artes, e não só.
Aproveitamos
para agradecer e dar os parabéns aos artistas e ao professor que os orientou.
Se ainda não nos
visitaste, aqui tens algumas fotografias para te incentivar a fazê-lo.
“ EU
“
“Eu sou a que no mundo anda perdida,
Eu sou a que na vida não tem norte,
Sou a irmã do Sonho, e desta sorte
Sou a crucificada ... a dolorida ...
Sombra de névoa ténue e esvaecida,
E que o destino amargo, triste e forte,
Impele brutalmente para a morte!
Alma de luto sempre incompreendida!...
Sou aquela que passa e ninguém vê...
Sou a que chamam triste sem o ser...
Sou a que chora sem saber porquê...
Sou talvez a visão que Alguém sonhou,
Alguém que veio ao mundo pra me ver
E que nunca na vida me encontrou!”
(“Eu – Livro das Mágoas”, Florbela Espanca)
SE
UM DIA A JUVENTUDE VOLTASSE
se um dia a juventude voltasse
na pele das serpentes atravessaria toda a memória
com a língua em teus cabelos dormiria no sossego
da noite transformada em pássaro de lume cortante
como a navalha de vidro que nos sinaliza a vida
sulcaria com as unhas o medo de te perder... eu
veleiro sem madrugadas nem promessas nem riqueza
apenas um vazio sem dimensão nas algibeiras
porque só aquele que nada possui e tudo partilhou
pode devassar a noite doutros corpos inocentes
sem se ferir no esplendor breve do amor
depois... mudaria de nome de casa de cidade de rio
de noite visitaria amigos que pouco dormem e têm gatos
mas aconteça o que tem de acontecer
não estou triste não tenho projectos nem ambições
guardo a fera que segrega a insónia e solta os ventos
espalho a saliva das visões pela demorada noite
onde deambula a melancolia lunar do corpo
mas se a juventude viesse novamente do fundo de mim
com suas raízes de escamas em forma de coração
e me chegasse à boca a sombra do rosto esquecido
pegaria sem hesitações no leme do frágil barco... eu
humilde e cansado piloto
que só de te sonhar me morro de aflição
Al Berto, in 'Rumor dos Fogos'
TOMINO´S HELL
'''A velha irmã vomita sangue, a jovem irmã cospe fogo,
A pequena Tomino vomita pedras preciosas
Tomino caiu no inferno sozinha
'O inferno está envolto em escuridão,'e até as flores não
florescem
A irmã de Tomino que a castiga
A irmã mais velha que a açoita
Batendo, Batendo e Açoitando,
A estrada para o inferno parece familiar.
Quer leva-lo para o inferno escuro,
Para as ovelhas de ouro e o rouxinol.
Quando falta a bolsa de ouro,
Para se preparar para um inferno familiar.
A primavera está chegando, mesmo nas florestas e nos
córregos,
Mesmo no fluxo do inferno escuro.
Há um rouxinol na gaiola, e uma ovelha no vagão,
Lágrimas nos olhos da pequena Tomino
rouxinol, lágrimas
Ela grita por falta de sua irmãnzinha.
O choro ecoa por todo o inferno,
E a flor vermelho-sangue desabrocha.
Nas sete montanhas e sete rios do inferno,
A viagem solitária da pequena Tomino.
Para receber você no inferno,
A agulha nas sepulturas.
Fresco espeto perfura na carne vermelha,
Como um sinal da pequena Tomino.
História
popular Japonesa
Algumas pessoas.
Folhas caem também
Aqui e ali.
Shô-u (1859-1943)
A Flecha de sol
Pinta estrelas na vidraça.
Despede-se o dia.
Helena
Kolody (1912-2004)
Um dia Alice chegou a uma encruzilhada na estrada e viu um
gato de Cheshire na árvore.
- que estrada devo tomar?
- perguntou ela.
A resposta dele foi:
- onde deseja ir ?
- não sei, respondeu Alice.
-então – disse ele – não importa que caminho tome.
LEWIS
CARROL,
Alice
no País das Maravilhas
(…) Sete-Sóis atravessou o mercado do peixe. As vendedeiras
gritavam desbocadamente aos compradores, provocavam-nos, sacudiam os braços
carregados de braceletes de ouro, batiam juras no peito onde se reuniam fios,
cruzes, berloques, cordões, tudo de bom ouro brasileiro, assim como os longos e
pesados brincos ou argolas, arrecadas1 ricas que valiam a mulher. Mas, no meio
da multidão suja, eram miraculosamente asseadas, como se as não tocasse sequer
o cheiro do peixe que removiam às mãos cheias.(…)
José Saramago, Memorial do Convento, 21.ª ed., Lisboa,
Editorial Caminho, 1992, pp. 41-42
O MOSTRENGO
O mostrengo que está no fim do mar
Na noite de breu ergueu-se a voar;
À roda da nau voou três vezes,
Voou três vezes a chiar,
E disse: «Quem é que ousou entrar
Nas minhas cavernas que não desvendo,
Meus tetos negros do fim do mundo?»
E o homem do leme disse, tremendo,
«El-Rei D. João Segundo!»
«De quem são as velas onde me roço?
De quem as quilhas que vejo e ouço?»
Disse o mostrengo, e rodou três vezes,
Três vezes rodou imundo e grosso,
«Quem vem poder o que só eu posso,
Que moro onde nunca ninguém me visse
E escorro os medos do mar sem fundo?»
E o homem do leme tremeu, e disse:
«El-Rei D. João Segundo!»
Três vezes do leme as mãos ergueu,
Três vezes ao leme as reprendeu,
E disse no fim de tremer três vezes:
«Aqui ao leme sou mais do que eu:
Sou um Povo que quer o mar que é teu;
E mais que o mostrengo, que me a alma teme
E roda nas trevas do fim do mundo,
Manda a vontade, que me ata ao leme,
De El-Rei D. João Segundo!»
Fernando Pessoa,
Mensagem, 13.ª ed., Lisboa, Edições Ática, 1986
(…)
Fui até ao campo com grandes propósitos.
Mas lá encontrei só ervas e árvores,
E quando havia gente era igual à outra.
Saio da janela, sento-me numa cadeira. Em que hei-de
pensar?
(…)
ÁLVARO DE
CAMPOS
Excerto d´A Tabacaria
I
De todos os cantos do mundo
Amo com um amor mais forte e mais profundo
Aquela praia extasiada e nua,
Onde me uni ao mar, ao vento e à lua.
II
Cheiro a terra as árvores e o vento
Que a Primavera enche de perfumes
Mas neles só quero e só procuro
A selvagem exalação das ondas
Subindo para os astros como um grito puro.
SOPHIA DE
MELLO BREYNER ANDRESEN
Tabacaria
Não sou nada.
Nunca serei nada.
Não posso querer ser nada.
À parte isso, tenho em mim todos os sonhos do mundo.
Janelas do meu quarto,
Do meu quarto de um dos milhões do mundo que ninguém sabe quem é
(E se soubessem quem é, o que saberiam?),
Dais para o mistério de uma rua cruzada constantemente por gente,
Para uma rua inacessível a todos os pensamentos,
Real, impossivelmente real, certa, desconhecidamente certa,
Com o mistério das coisas por baixo das pedras e dos seres,
Com a morte a pôr humidade nas paredes e cabelos brancos nos homens,
Com o Destino a conduzir a carroça de tudo pela estrada de nada.
Estou hoje vencido, como se soubesse a verdade.
Estou hoje lúcido, como se estivesse para morrer,
E não tivesse mais irmandade com as coisas
Senão uma despedida, tornando-se esta casa e este lado da rua
A fileira de carruagens de um comboio, e uma partida apitada
De dentro da minha cabeça,
E uma sacudidela dos meus nervos e um ranger de ossos na ida.
Estou hoje perplexo como quem pensou e achou e esqueceu.
Estou hoje dividido entre a lealdade que devo
À Tabacaria do outro lado da rua, como coisa real por fora,
E à sensação de que tudo é sonho, como coisa real por dentro.
Falhei em tudo.
Como não fiz propósito nenhum, talvez tudo fosse nada.
A aprendizagem que me deram,
Desci dela pela janela das traseiras da casa,
Fui até ao campo com grandes propósitos.
Mas lá encontrei só ervas e árvores,
E quando havia gente era igual à outra.
Saio da janela, sento-me numa cadeira. Em que hei-de pensar?
Que sei eu do que serei, eu que não sei o que sou?
Ser o que penso? Mas penso ser tanta coisa!
E há tantos que pensam ser a mesma coisa que não pode haver tantos!
Génio? Neste momento
Cem mil cérebros se concebem em sonho génios como eu,
E a história não marcará, quem sabe?, nem um,
Nem haverá senão estrume de tantas conquistas futuras.
Não, não creio em mim.
Em todos os manicómios há doidos malucos com tantas certezas!
Eu, que não tenho nenhuma certeza, sou mais certo ou menos certo?
Não, nem em mim...
Em quantas mansardas e não-mansardas do mundo
Não estão nesta hora génios-para-si-mesmos sonhando?
Quantas aspirações altas e nobres e lúcidas -
Sim, verdadeiramente altas e nobres e lúcidas -,
E quem sabe se realizáveis,
Nunca verão a luz do sol real nem acharão ouvidos de gente?
O mundo é para quem nasce para o conquistar
E não para quem sonha que pode conquistá-lo, ainda que tenha razão.
Tenho sonhado mais que o que Napoleão fez.
Tenho apertado ao peito hipotético mais humanidades do que Cristo,
Tenho feito filosofias em segredo que nenhum Kant escreveu.
Mas sou, e talvez serei sempre, o da mansarda,
Ainda que não more nela;
Serei sempre o que não nasceu para isso;
Serei sempre só o que tinha qualidades;
Serei sempre o que esperou que lhe abrissem a porta ao pé de uma parede sem porta
E cantou a cantiga do Infinito numa capoeira,
E ouviu a voz de Deus num poço tapado.
Crer em mim? Não, nem em nada.
Derrame-me a Natureza sobre a cabeça ardente
O seu sol, a sua chuva, o vento que me acha o cabelo,
E o resto que venha se vier, ou tiver que vir, ou não venha.
Escravos cardíacos das estrelas,
Conquistámos todo o mundo antes de nos levantar da cama;
Mas acordámos e ele é opaco,
Levantámo-nos e ele é alheio,
Saímos de casa e ele é a terra inteira,
Mais o sistema solar e a Via Láctea e o Indefinido.
(Come chocolates, pequena;
Come chocolates!
Olha que não há mais metafísica no mundo senão chocolates.
Olha que as religiões todas não ensinam mais que a confeitaria.
Come, pequena suja, come!
Pudesse eu comer chocolates com a mesma verdade com que comes!
Mas eu penso e, ao tirar o papel de prata, que é de folhas de estanho,
Deito tudo para o chão, como tenho deitado a vida.)
Mas ao menos fica da amargura do que nunca serei
A caligrafia rápida destes versos,
Pórtico partido para o Impossível.
Mas ao menos consagro a mim mesmo um desprezo sem lágrimas,
Nobre ao menos no gesto largo com que atiro
A roupa suja que sou, sem rol, pra o decurso das coisas,
E fico em casa sem camisa.
(Tu, que consolas, que não existes e por isso consolas,
Ou deusa grega, concebida como estátua que fosse viva,
Ou patrícia romana, impossivelmente nobre e nefasta,
Ou princesa de trovadores, gentilíssima e colorida,
Ou marquesa do século dezoito, decotada e longínqua,
Ou cocote célebre do tempo dos nossos pais,
Ou não sei quê moderno - não concebo bem o quê -,
Tudo isso, seja o que for, que sejas, se pode inspirar que inspire!
Meu coração é um balde despejado.
Como os que invocam espíritos invocam espíritos invoco
A mim mesmo e não encontro nada.
Chego à janela e vejo a rua com uma nitidez absoluta.
Vejo as lojas, vejo os passeios, vejo os carros que passam,
Vejo os entes vivos vestidos que se cruzam,
Vejo os cães que também existem,
E tudo isto me pesa como uma condenação ao degredo,
E tudo isto é estrangeiro, como tudo.)
Vivi, estudei, amei, e até cri,
E hoje não há mendigo que eu não inveje só por não ser eu.
Olho a cada um os andrajos e as chagas e a mentira,
E penso: talvez nunca vivesses nem estudasses nem amasses nem cresses
(Porque é possível fazer a realidade de tudo isso sem fazer nada disso);
Talvez tenhas existido apenas, como um lagarto a quem cortam o rabo
E que é rabo para aquém do lagarto remexidamente.
Fiz de mim o que não soube,
E o que podia fazer de mim não o fiz.
O dominó que vesti era errado.
Conheceram-me logo por quem não era e não desmenti, e perdi-me.
Quando quis tirar a máscara,
Estava pegada à cara.
Quando a tirei e me vi ao espelho,
Já tinha envelhecido.
Estava bêbado, já não sabia vestir o dominó que não tinha tirado.
Deitei fora a máscara e dormi no vestiário
Como um cão tolerado pela gerência
Por ser inofensivo
E vou escrever esta história para provar que sou sublime.
Essência musical dos meus versos inúteis,
Quem me dera encontrar-te como coisa que eu fizesse,
E não ficasse sempre defronte da Tabacaria de defronte,
Calcando aos pés a consciência de estar existindo,
Como um tapete em que um bêbado tropeça
Ou um capacho que os ciganos roubaram e não valia nada.
Mas o dono da Tabacaria chegou à porta e ficou à porta.
Olhou-o com o desconforto da cabeça mal voltada
E com o desconforto da alma mal-entendendo.
Ele morrerá e eu morrerei.
Ele deixará a tabuleta, e eu deixarei versos.
A certa altura morrerá a tabuleta também, e os versos também.
Depois de certa altura morrerá a rua onde esteve a tabuleta,
E a língua em que foram escritos os versos.
Morrerá depois o planeta girante em que tudo isto se deu.
Em outros satélites de outros sistemas qualquer coisa como gente
Continuará fazendo coisas como versos e vivendo por baixo de coisas como tabuletas,
Sempre uma coisa defronte da outra,
Sempre uma coisa tão inútil como a outra,
Sempre o impossível tão estúpido como o real,
Sempre o mistério do fundo tão certo como o sono de mistério da superfície,
Sempre isto ou sempre outra coisa ou nem uma coisa nem outra.
Mas um homem entrou na Tabacaria (para comprar tabaco?),
E a realidade plausível cai de repente em cima de mim.
Semiergo-me enérgico, convencido, humano,
E vou tencionar escrever estes versos em que digo o contrário.
Acendo um cigarro ao pensar em escrevê-los
E saboreio no cigarro a libertação de todos os pensamentos.
Sigo o fumo como uma rota própria,
E gozo, num momento sensitivo e competente,
A libertação de todas as especulações
E a consciência de que a metafísica é uma consequência de estar mal disposto.
Depois deito-me para trás na cadeira
E continuo fumando.
Enquanto o Destino mo conceder, continuarei fumando.
(Se eu casasse com a filha da minha lavadeira
Talvez fosse feliz.)
Visto isto, levanto-me da cadeira. Vou à janela.
O homem saiu da Tabacaria (metendo troco na algibeira das calças?).
Ah, conheço-o: é o Esteves sem metafísica.
(O dono da Tabacaria chegou à porta.)
Como por um instinto divino o Esteves voltou-se e viu-me.
Acenou-me adeus gritei-lhe Adeus ó Esteves!, e o universo
Reconstruiu-se-me sem ideal nem esperança, e o dono da Tabacaria sorriu.
Álvaro de Campos, in "Poemas"
Heterónimo de Fernando Pessoa
“ O
trabalho das nossas mãos”
Eu era novo e tu simulavas.
Tardes imóveis â porta do nosso medo nas mais
Difíceis em que te
Ocupavas com gestos e uma invencível entrega
te
Fazia invejar as cha-
Minés e os seus fumos.
Tu, o teu sangue crepuscular, dissolvia o meu
Remorso de ter nascido e
Dissolvia o pez que os outros colavam ao
nosso
Corpo.
O teu gesto de molhar a luz na tua pele
disfarçava
Com cuidado qual-
Quer asa de pecado.
O nosso receio não era já das cinzas que nos
apou-
Cam. A limpidez do céu,
Trabalho das nossas mãos, entreabrira-te os
lábios
Doutra sede, perma-
Nente como a chuva.
Eu era novo e tu simulavas os meus dedos
desfo-
Lhando-se.
Porque o nosso peso era de símbolos,
decidiste
Criar outros.
A dormir refizemos os nossos frutos de
alegria e
Nunca ninguém nos im-
Portunou com tarjas tristes à nossa porta. A
viver
Refizemos as coisas e
O seu gume, na evidência do que existe.
Despias
sorridente, deslumbrada, aquele quê de
Ausente na carne das
Estátuas, e nada que não fosse exacto turbava
os
Teus olhos. A terra
Abria-se para a chuva enquanto a semente do
dia
Entrava no bico dos
Pássaros. Havia um gesto de elevação.
Eu simulava ver um barco incendiado, um mar
de
Lixívia a arder e as ren-
Das da noite crepitando. Ouves ainda o
rumordas
Estrelas de que, nos
Declives, dependiam nossos passos? Um
pedestal de
Ócio sustinha as es-
Tátuas do vale, inertes de desterro, todas de
rosto
Semelhante, existin-
Do de ausência erguida.
Nessa hora o linho que nos cobria tinha
qualquer
Coisa de feroz e recla-
Mava sangue.
O branco ensinou-nos a espada. A espada a
coragem
De a saber inútil.
Um dia disseste a fitar os olhos de imensas
coisas -
Que ao menos nos
Salvemos nós! - dói-me o corpo de esperar...
António Dacosta
A Equipa Dinamizadora da Biblioteca Escolar
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