Exposição “Vamos Pintar a Poesia”



Encontram-se expostos na nossa biblioteca escolar os trabalhos dos alunos de Artes Visuais dos décimo, décimo primeiro e décimo segundo anos. A exposição ilustra diversos poemas selecionados pelos alunos envolvidos no projeto “Vamos pintar a poesia”.
Os trabalhos dos alunos do décimo ano foram realizados individualmente, utilizando a técnica de pastel seco sobre papel.






Se eu agora inventasse o Mundo



Se eu agora inventasse o mundo
criaria a luz da manhã já explicada
sem o luto que pesa
na sombra dos homens
- conspiração da noite
com as pedras.

Luz que o cheiro das ervas da madrugada
aproxima os mortos do silêncio
com esqueletos de asas
- conluio com o sol

para estarem mais presentes
no tacto da pele da manhã,
mil mãos a afogarem a paisagem,
bafo de flores donde cai
o enlace das sementes...

Abro a janela
O mundo cheira tão bem a trevos ausentes!

Bons dias, mortos. Bons dias, Pai.

José Gomes Ferreira, in 'Elegia Fria com Lírios Inventados'








Teatro de Boneca

A menina tinha os cabelos louros.
A boneca também.
A menina tinha os olhos castanhos.
Os da boneca eram azuis.
A menina gostava loucamente da boneca.
A boneca ninguém sabia se gostava da menina.
Mas a menina morreu.
A boneca ficou.
Agora também já ninguém sabe se a menina gosta da boneca.

E a boneca não cabe em nenhuma gaveta.
A boneca abre as tampas de todas as malas.
A boneca arromba as portas de todos os armários.
A boneca é maior que a presença de todas as coisas.
A boneca está em toda a parte.
A boneca enche a casa toda.

É preciso esconder a boneca.
É preciso que a boneca desapareça para sempre.
É preciso matar, é preciso enterrar a boneca.

A boneca.
A boneca.

Carlos Queirós



Fundo do mar



No fundo do mar há brancos pavores,
Onde as plantas são animais
E os animais são flores.


Mundo silencioso que não atinge

A agitação das ondas.

Abrem-se rindo conchas redondas,
Baloiça o cavalo-marinho.
Um polvo avança
No desalinho
Dos seus mil braços,
Uma flor dança,
Sem ruído vibram os espaços.



Sobre a areia o tempo poisa

Leve como um lenço.



Mas por mais bela que seja cada coisa

Tem um monstro em si suspenso.



Sophia de Melo Breyner Andersen




 O Brinquedo

Brinquedo
Foi um sonho que eu tive
Era uma grande estrela de papel
Um cordel
E um menino de bibe
O menino tinha lançado a estrela
Com ar de quem semeia uma ilusão
E a estrela ia subindo, azul e amarela,
Presa pelo cordel à sua mão
Mas tão alto subiu


Que deixou de ser estrela de papel

E o menino ao vê-la assim, sorriu

E cortou-lhe o cordel.



Miguel Torga




A vida do caracol


A vida do caracol
É uma vida arrastada,
Anda com a casa às costas
Onde quer faz a morada.

Caracol, caracol tu pensas
Que sempre vais escapar,
Mas qualquer dia é de noite
Por certo vais-te enganar.

O caracol é velhaco
Só sabe é praticar o mal.
De noite vai-me ao tabaco
E às couves do quintal.

Eu já vi um caracol
A subir uma parede,
Ao depois veio o sol
Caiu morto de sede.


Carlos Medeiros



Poema da Auto-estrada


Voando vai para a praia 

Leonor na estrada preta. 

Vai na brasa, de lambreta. 



Leva calções de pirata, 

Vermelho de alizarina, 

modelando a coxa fina 
de impaciente nervura. 
Como guache lustroso, 
amarelo de indantreno, 
blusinha de terileno 
desfraldada na cintura. 



Fuge, fuge, Leonoreta. 

Vai na brasa, de lambreta. 



Agarrada ao companheiro 

na volúpia da escapada 

pincha no banco traseiro 
em cada volta da estrada. 
Grita de medo fingido, 
que o receio não é com ela, 
mas por amor e cautela 
abraça-o pela cintura. 
Vai ditosa, e bem segura. 



Como um rasgão na paisagem 

corta a lambreta afiada, 

engole as bermas da estrada 
e a rumorosa folhagem. 
Urrando, estremece a terra, 
bramir de rinoceronte, 
enfia pelo horizonte 
como um punhal que se enterra. 
Tudo foge à sua volta, 
o céu, as nuvens, as casas, 
e com os bramidos que solta 
lembra um demónio com asas. 



Na confusão dos sentidos 

já nem percebe, Leonor, 

se o que lhe chega aos ouvidos 
são ecos de amor perdidos 
se os rugidos do motor. 



Fuge, fuge, Leonoreta. 

Vai na brasa, de lambreta. 



António Gedeão, in 'Máquina de Fogo'





Se eu agora inventasse o Mundo



Se eu agora inventasse o mundo
criaria a luz da manhã já explicada
sem o luto que pesa
na sombra dos homens
- conspiração da noite
com as pedras.

Luz que o cheiro das ervas da madrugada
aproxima os mortos do silêncio
com esqueletos de asas
- conluio com o sol

para estarem mais presentes
no tacto da pele da manhã,
mil mãos a afogarem a paisagem,
bafo de flores donde cai
o enlace das sementes...

Abro a janela
O mundo cheira tão bem a trevos ausentes!

Bons dias, mortos. Bons dias, Pai.

José Gomes Ferreira, in 'Elegia Fria com Lírios Inventados'








Pedra Filosofal



Eles não sabem que o sonho 
é uma constante da vida 
tão concreta e definida 
como outra coisa qualquer, 
como esta pedra cinzenta 
em que me sento e descanso, 
como este ribeiro manso 
em serenos sobressaltos, 
como estes pinheiros altos 
que em verde e oiro se agitam, 
como estas aves que gritam 
em bebedeiras de azul. 

Eles não sabem que o sonho 
é vinho, é espuma, é fermento, 
bichinho álacre e sedento, 
de focinho pontiagudo, 
que fossa através de tudo 
num perpétuo movimento. 

Eles não sabem que o sonho 
é tela, é cor, é pincel, 
base, fuste, capitel, 
arco em ogiva, vitral, 
pináculo de catedral, 
contraponto, sinfonia, 
máscara grega, magia, 
que é retorta de alquimista, 
mapa do mundo distante, 
rosa-dos-ventos, Infante, 
caravela quinhentista, 
que é Cabo da Boa Esperança, 
ouro, canela, marfim, 
florete de espadachim, 
bastidor, passo de dança, 
Colombina e Arlequim, 
passarola voadora, 
pára-raios, locomotiva, 
barco de proa festiva, 
alto-forno, geradora, 
cisão do átomo, radar, 
ultra-som, televisão, 
desembarque em foguetão 
na superfície lunar. 

Eles não sabem, nem sonham, 
que o sonho comanda a vida. 
Que sempre que um homem sonha 
o mundo pula e avança 
como bola colorida 
entre as mãos de uma criança. 

António Gedeão, in 'Movimento Perpétuo'









Os alunos do décimo primeiro ano realizaram em grupo trabalho de pintura sobre tela no formato de “cadavre exquis”.

Entrei no café com um rio na algibeira

Entrei no café com um rio na algibeira
e pu-lo no chão,
a vê-lo correr
da imaginação...

A seguir, tirei do bolso do colete
nuvens e estrelas
e estendi um tapete
de flores
a concebê-las.

Depois, encostado à mesa,
tirei da boca um pássaro a cantar
e enfeitei com ele a Natureza
das árvores em torno
a cheirarem ao luar
que eu imagino.

E agora aqui estou a ouvir
A melodia sem contorno
Deste acaso de existir
-onde só procuro a Beleza
para me iludir
dum destino.

José Gomes Ferreira





Se eu agora inventasse o Mundo



Se eu agora inventasse o mundo
criaria a luz da manhã já explicada
sem o luto que pesa
na sombra dos homens
- conspiração da noite
com as pedras.


Luz que o cheiro das ervas da madrugada

aproxima os mortos do silêncio

com esqueletos de asas
- conluio com o sol



para estarem mais presentes

no tacto da pele da manhã,

mil mãos a afogarem a paisagem,
bafo de flores donde cai
o enlace das sementes...



Abro a janela

O mundo cheira tão bem a trevos ausentes!



Bons dias, mortos. Bons dias, Pai.



José Gomes Ferreira, in 'Elegia Fria com Lírios Inventados'








A Bicicleta pela Lua Dentro - Mãe, Mãe


A bicicleta pela lua dentro - mãe, mãe - 

ouvi dizer toda a neve. 

As árvores crescem nos satélites. 
Que hei-de fazer senão sonhar 
ao contrário quando novembro empunha - 
mãe, mãe - as tellhas dos seus frutos? 
As nuvens, aviões, mercúrio. 
Novembro - mãe - com as suas praças 
descascadas. 



A neve sobre os frutos - filho, filho. 

Janeiro com outono sonha então. 

Canta nesse espanto - meu filho - os satélites 
sonham pela lua dentro na sua bicicleta. 
Ouvi dizer novembro. 
As praças estão resplendentes. 
As grandes letras descascadas: é novo o alfabeto. 
Aviões passam no teu nome - 
minha mãe, minha máquina - 
mercúrio (ouvi dizer) está cheio de neve. 



Avança, memória, com a tua bicicleta. 

Sonhando, as árvores crescem ao contrário. 

Apresento-te novembro: avião 
limpo como um alfabeto. E as praças 
dão a sua neve descascada. 
Mãe, mãe — como janeiro resplende 
nos satélites. Filho — é a tua memória. 



E as letras estão em ti, abertas 

pela neve dentro. Como árvores, aviões 

sonham ao contrário. 
As estátuas, de polvos na cabeça, 
florescem com mercúrio. 
Mãe — é o teu enxofre do mês de novembro, 
é a neve avançando na sua bicicleta. 



O alfabeto, a lua. 



Começo a lembrar-me: eu peguei na paisagem. 

Era pesada, ao colo, cheia de neve. 

la dizendo o teu nome de janeiro. 
Enxofre — mãe — era o teu nome. 
As letras cresciam em torno da terra, 
as telhas vergavam ao peso 
do que me lembro. Começo a lembrar-me: 
era o atum negro do teu nome, 
nos meus braços como neve de janeiro. 



Novembro — meu filho — quando se atira a flecha, 

e as praças se descascam, 

e os satélites avançam, 
e na lua floresce o enxofre. Pegaste na paisagem 
(eu vi): era pesada. 



O meu nome, o alfabeto, enchia-a de laranjas. 

Laranjas de pedra - mãe. Resplendentes, 

estátuas negras no teu nome, 
no meu colo. 



Era a neve que nunca mais acabava. 



Começo a lembrar-me: a bicicleta 

vergava ao peso desse grande atum negro. 

A praça descascava-se. 
E eis o teu nome resplendente com as letras 
ao contrário, sonhando 
dentro de mim sem nunca mais acabar. 
Eu vi. Os aviões abriam-se quando a lua 
batia pelo ar fora. 
Falávamos baixo. Os teus braços estavam cheios 
do meu nome negro, e nunca mais 
acabava de nevar. 



Era novembro. 



Janeiro: começo a lembrar-me. O mercúrio 

crescendo com toda a força em volta 

da terra. Mãe - se morreste, porque fazes 
tanta força com os pés contra o teu nome, 
no meu colo? 
Eu ia lembrar-me: os satélites todos 
resplendentes na praça. Era a neve. 
Era o tempo descascado 
sonhando com tanto peso no meu colo. 



Ó mãe, atum negro — 

ao contrário, ao contrário, com tanta força. 



Era tudo uma máquina com as letras 

lá dentro. E eu vinha cantando 

com a minha paisagem negra pela neve. 
E isso não acabava nunca mais pelo tempo 
fora. Começo a lembrar-me. 
Esqueci-te as barbatanas, teus olhos 
de peixe, tua coluna 
vertebral de peixe, tuas escamas. E vinha 
cantando na neve que nunca mais 
acabava. 



O teu nome negro com tanta força — 

minha mãe. 

Os satélites e as praças. E novembro 
avançando em janeiro com seus frutos 
destelhados ao colo. As 
estátuas, e eu sonhando, sonhando. 
Ao contrário tão morta — minha mãe — 
com tanta força, e nunca 



— mãe — nunca mais acabava pelo tempo fora. 



Herberto Helder, in 'Poemas Completos'





Um Final Que Por Nada Espera


Uma ferida que arde,
Um beijo que envenena,
Uma manhã, uma tarde,
Um olhar que condena.


Uma porta entreaberta,

Uma janela fechada,

Uma estrada deserta,
Uma flor destroçada. 



Um ser sendo nada,

Uma nuvem incompleta,

Uma voz abafada,
Uma ânsia inquieta.



Um homem qualquer,

Uma lágrima que chora,

Um algo que nada quer,
Um sorriso que evapora.



Um amor que amarga,

Uma vida numa esfera,

Uma solidão que não me larga,
Um final que por nada espera



Carlos Ramos



O Brinquedo



Brinquedo
Foi um sonho que eu tive
Era uma grande estrela de papel
Um cordel
E um menino de bibe
O menino tinha lançado a estrela
Com ar de quem semeia uma ilusão
E a estrela ia subindo, azul e amarela,
Presa pelo cordel à sua mão
Mas tão alto subiu


Que deixou de ser estrela de papel

E o menino ao vê-la assim, sorriu

E cortou-lhe o cordel.



Miguel Torga







Relativamente às contribuições dos alunos do décimo segundo ano, estas são constituídas por trabalhos individuais de ilustração sobre papel e pintura em tela.



Trata-se de uma forma diferente de apreciar tanto poesia como as artes visuais.

Desfruta desta dupla experiência sensorial! 



Equipa Dinamizadora da Biblioteca

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