Uma História do Teotónio
- Não ficou nenhum cantinho por conhecer - costuma ele gabar-se, quando fazemos roda à sua volta.
- Esteve na Índia? - pergunta um de nós.
- Sete vezes - responde ele.
- E na China?
- Outras tantas - responde o Teotónio.
- Conhece o Japão?
- Como os meus dedos.
- Então conte-nos uma aventura sua no Japão - pedimos.
- Hoje não, que não tenho paciência - responde-nos o senhor Teotónio, a fingir que se levanta e que se vai embora.
Nós insistimos. Ele faz de conta que não quer contar e passamos assim que tempos, neste jogo. Até que levamos a nossa a melhor. Levamos sempre.
- Estou a recordar-me de um naufrágio por que passei, de uma vez que vinha do Japão - começa ele.
É uma história do Teotónio. Verdade ou mentira ele que responda.
Segundo o seu contar, vinha do Japão, como marujo, num navio mercante, quando se lembrou de que tinha prometido à madrinha um quimono. A senhora que fazia tanto gosto no roupão de seda bordada e ele que se esquecera da encomenda. Não podia voltar atrás o navio, mas podia ele.
Às escondidas, baixou um escaler e abandonou o barco.
Depois, remou, noite e dia, dia e noite, tudo por causa do quimono da madrinha.
Que dedicação de afilhado!
Mas levantou-se uma tempestade e o barquinho a remos, que ia a passar pelo meio de uns ilhéus, sacudido de um lado para o outro, foi embater nuns escolhos e desfez-se. Por pouco que não se desfez com ele o senhor Teotónio.
Muito abalado, conseguiu nadar até à praia de um dos ilhéus, onde, exausto, se deixou adormecer.
Acordou, tempos depois, com uma esquisita sensação de aperto. Uns enormes olhos fitavam-no e ele estava nas mãos de um gigante. O senhor Teotónio viera ter à ilha dos temíveis Carantões, uma ilha lendária que todos os marinheiros japoneses temem.
A carantonha que o segurava nos dedos era uma gigante ainda pequenina, uma menina gigante. Para ela, o senhor Teotónio equivalia a um boneco achado na praia.
Ele não podia dar parte fraca. Fez-se de borracha e exibiu um risinho rígido de boneco japonês. Nessa qualidade, passou a confraternizar com os outros brinquedos da menina carantonha.
Mas aquilo não era vida. Ser despido e vestido pela carantonha, embalado e lavado, pendurado de pernas para o ar e atirado ao chão, sem cerimónia, não se tolerava.
Eram humilhações demais para um aventureiro.
Decidiu fugir. Num barco de brinquedo, quase do tamanho do escaler em que naufragara, fez-se ao mar, à hora da sesta da sua tutora e carcereira. De bagagem, levava um quimono, surripiado à menina.
- Ó Teotónio, mas este quimono está-me enorme! - disse-lhe, tempo depois, a madrinha, que até era bastante avantajada de corpo. - Tu julgas que eu sou alguma gigante ou quê?
Não valia a pena explicar à madrinha os perigos e sacrifícios por que passara para lhe trazer aquele roupão de mangas larguíssimas. Talvez até ela o tomasse por mentiroso.
Nessa não caímos nós.
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