Grande Pintora
- A minha sobrinha pinta papagaios?
- De papel? - perguntei eu.
- Não. Pinta papagaios de penas. Maravilhosamente - respondeu o meu amigo. - Se quiseres, hoje mesmo, passamos pelo atelier dela.
Fomos. O atelier da sobrinha do meu amigo parecia uma enorme gaiola. Esvoaçantes ou empoleirados em tudo o que lhes apetecia, araras, periquitos e, já se vê, papagaios davam-nos as boas-vindas, piando e palrando.
A pintora não estava, mas o meu amigo, que tinha a chave do atelier, movia-se naquele recorte de selva tropical com o à-vontade de um índio amazónico.
- E os quadros dela sobre esta passarada toda, onde é que estão? - perguntei.
O meu amigo não sabia ou fazia de conta que não sabia. O melhor era esperar pela pintora.
Entrementes, um papagaio com as cores da bandeira nacional simpatizou comigo, poisou-me no ombro e pôs-se-me a coçar ternamente a cabeça.
Despedi-me do meu amigo e combinei, para uma próxima, nova visita ao atelier da sobrinha. Mas aconteceu um percalço. O papagaio não me largava o ombro.
- Não o contraries e leva-o - disse o meu amigo. - Depois se verá?
Uma pessoa com um papagaio ao ombro chama sempre a atenção. Muito envergonhadamente, percorri o caminho até casa, perseguido pelo olhar de estranheza de quem se cruzava comigo.
E, como se não bastasse, o papagaio cantarolava, incansavelmente: ?Ó Rosa arredonda a saia". Não passava disto, o que seria sinal de uma certa saudade da dona, a pintora Rosa, imaginava eu. Quanto a ele, fica combinado que passamos a tratá-lo por Arco-Íris.
Assim que cheguei a casa, abri as janelas. Talvez lhe desse vontade de voar, ao encontro da sua querida Rosa?
O Arco-Íris voar, voava, mas saindo por uma janela e entrando por outra e poisando no meu ombro e soltando-se do meu ombro e saindo pela janela e entrando, sempre a cantarolar: ?Ó Rosa arredonda a saia".
Fui sentar-me junto à mesinha do telefone. Tão concentrado eu estava, à espera do prometido telefonema, que nem dei por que tinha começado a chover. E logo as janelas todas abertas?
Passados uns minutos, um bicharoco encharcado e cinzento, cor de rato, fincou-me as patas nos ombros. Dei um salto de susto.
O bicharoco abriu as asas e gritou:
- Ó Rosa arredonda a saia.
Não era possível. Outro papagaio, este cinzento, a cantar a mesma cantiga?
Já calculam o que se passou. O Arco-Íris, com a molha, perdera as cores radiosas da bandeira nacional.
Perdera-as porque, simplesmente, não lhe pertenciam. Pintado, pena a pena, pela sobrinha do meu amigo, o Arco-Íris revelava-se, afinal, um vulgar papagaio descorado.
Quando contei a história ao meu amigo, ele riu-se:
- Bem te avisei que a minha sobrinha era pintora de papagaios. Uma grande pintora!
Em conclusão: fiquei dono de um papagaio cinzento, que ninguém percebe por que bizarria ou tolice é que eu o trato por Arco-Íris.
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