Pediram-me “escreve um texto sobre o livro da tua vida” . Resisti. Aconcheguei-me na preguiça de quem, apesar de trabalhar as palavras todos os dias, parece já ter esquecido de como pô-las "bonitas" em texto. Resisti. Também por não gostar muito de me expor, por ser muito “bicho do meu casulo”.
Mas, durante a interrupção letiva de natal, o pedido voltou a ecoar-me na cabeça, naquele remorso que mói de quem sabe que não fez o que devia. Senti-me subitamente impelida para uma página em branco. Não sei se foi o facto de ser natal e de por isso o tempo parecer mais longo, mais repousado, se pela paz reencontrada na família novamente reunida. Sei que todos estes ingredientes me envolveram como que num terno abraço aconchegante. E senti-me duplamente “abraçada” pois ao comprar, um destes dias, o último livro de José Luís Peixoto, intitulado Abraço, constatei ter entre mãos um daqueles livros que se colam à pele, ao coração e aos neurónios, um livro de que apetece falar, escrever. Talvez pelo tom confessional que o percorre ao falar de família, de sentimentos, talvez por nos transportar a tempos de infância e de juventude nos quais nos revemos, talvez, sobretudo, pela forma como o seu autor nos faz entrar no que de mais intimamente nos embala a alma e instiga à vida.
Esta é uma daquelas leituras que nos deixa marca, que ora nos faz sorrir, ora nos deixa com aquele embargo na garganta, porque, sub-repticiamente, damos por nós a vestir a pele do protagonista, sentindo as suas vivências como nossas.
Apesar disso, não considero que seja este “o livro da minha vida”, porque prefiro acreditar que muitos outros a preencherão, tal como aconteceu no passado. Felizmente, tive a sorte de, ainda antes de saber ler, me poder apaixonar pelas magníficas gravuras que ilustravam os maravilhosos contos de Andersen e dos irmãos Grimm. Foram elas que me levaram a querer descobrir o sentido das palavras que as acompanhavam.
Hoje, já “entradota”, quando olho para trás, vêem-me à memória muitos títulos, muitas obras que me apanharam em fases distintas da minha vida, desde as intrépidas aventuras que sempre acabavam bem dos famosos Cinco, à lamechice melada dos romances cor-de-rosa (que ironicamente pertenciam à chamada coleção azul), à intemporal consistência dos clássicos (desde que não fossem leitura obrigatória), passando pela ironia mordaz do nosso Nobel… muitas foram as razões que motivaram para a leitura, porém a melhor será sempre o simples prazer de ler.
Gabriela Pimentel, professora de Português
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