Na Biblioteca
Escolar, se começámos bem o ano letivo, vamos acabar ainda melhor. Como?
Pintando a Poesia!
É verdade! A partir de segunda-feira,
23 de maio de 2016, poderás apreciar, na Biblioteca da nossa escola, a
exposição de trabalhos dos teus colegas que, orientados pelo Professor
Francisco Martins, decidiram pintar a Poesia, segundo a técnica do cadavre exquis.
Quando se juntam
duas artes – a Pintura e a Poesia, o resultado só pode ser uma excelente
experiência sensorial e intelectual. E é para tirares proveito desta
experiência, que os teus colegas quiseram partilhar com toda a comunidade
escolar, que te convidamos a visitar-nos.
Esperamos por ti! Podes também trazer
os teus amigos!
Gaivota
Se
uma gaivota viesse
trazer-me o céu de Lisboa
no desenho que fizesse,
nesse céu onde o olhar
é uma asa que não voa,
esmorece e cai no mar.
Que perfeito coração
no meu peito bateria,
meu amor na tua mão,
nessa mão onde cabia
perfeito o meu coração.
Se
um português marinheiro,
dos
sete mares andarilho,
fosse quem sabe o primeiro
a contar-me o que
inventasse,
se
um olhar de novo brilho
no meu olhar se enlaçasse.
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Que
perfeito coração
no meu peito bateria,
meu amor na tua mão,
nessa mão onde cabia
perfeito o meu coração.
Se ao dizer adeus à vida
as aves todas do céu,
me dessem na despedida
o teu olhar derradeiro,
esse olhar que era só teu,
amor que foste o primeiro.
Que perfeito coração
no meu peito morreria,
meu amor na tua mão,
nessa mão onde perfeito
bateu o meu coração.
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Alexandre O’Neill
Teatro de Boneca
A
menina tinha os cabelos louros.
A boneca também.
A menina tinha os olhos castanhos.
Os da boneca eram azuis.
A menina gostava loucamente da boneca.
A boneca ninguém sabia se gostava da menina.
Mas a menina morreu.
A boneca ficou.
Agora também já ninguém sabe se a menina gosta da boneca.
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E a boneca não cabe em nenhuma gaveta.
A boneca abre as tampas de todas as malas.
A boneca arromba as portas de todos os armários.
A boneca é maior que a presença de todas as coisas.
A boneca está em toda a parte.
A boneca enche a casa toda.
É preciso esconder a boneca.
É preciso que a boneca desapareça para sempre.
É preciso matar, é preciso enterrar a boneca.
A
boneca.
A boneca.
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Carlos Queirós
Emblema
Rio de fumo
e incontido cio,
barco à
deriva, em meio do escuro,
corpo a
apodrecer, antes tão macio,
alma tão
gentil, sem haver futuro
Ratos nos
porões, sexuado rio,
grito ao
deus-dará, estupro contra o muro,
brando e
doce olhar, dentro tanto frio,
doce
caminhar, frágil, não seguro
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Tanto bem
sonhado, tudo tão vazio,
noiva que
sorri, luto prematuro,
planos a
fazer, vidas por um fio
sonho a
apodrecer, só porque foi puro,
tanto
caminhar, onde é só desvio,
tanto sol a arder, tudo tão obscuro
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Eugénio Lisboa
O AMOR EM VISITA
Dai-me uma jovem mulher com sua harpa de
sombra
e seu arbusto de sangue. Com ela
encantarei a noite.
Dai-me uma folha viva de erva, uma mulher.
Seus ombros beijarei, a pedra pequena
do sorriso de um momento.
Mulher quase incriada, mas com a gravidade
de dois seios, com o peso lúbrico e triste
da boca. Seus ombros beijarei.
Cantar? Longamente cantar,
Uma mulher com quem beber e morrer.
Quando fora se abrir o instinto da noite e
uma ave
o atravessar trespassada por um grito
marítimo
e o pão for invadido pelas ondas,
seu corpo arderá mansamente sob os meus
olhos palpitantes
ele - imagem inacessível e casta de um
certo pensamento
de alegria e de impudor.
Seu corpo arderá para mim
sobre um lençol mordido por flores com
água.
Ah! em cada mulher existe uma morte
silenciosa;
e enquanto o dorso imagina, sob nossos
dedos,
os bordões da melodia,
a morte sobe pelos dedos, navega o sangue,
desfaz-se em embriaguez dentro do coração
faminto.
- Ó cabra no vento e na urze, mulher nua
sob
as mãos, mulher de ventre escarlate onde o
sal põe o espírito,
mulher de pés no branco, transportadora
da morte e da alegria.
Dai-me uma mulher tão nova como a resina
e o cheiro da terra.
Com uma flecha em meu flanco, cantarei.
E enquanto manar de minha carne uma
videira de sangue,
cantarei seu sorriso ardendo,
suas mamas de pura substância,
a curva quente dos cabelos.
Beberei sua boca, para depois cantar a
morte
e a alegria da morte.
Dai-me um torso dobrado pela música, um
ligeiro
pescoço de planta,
onde uma chama comece a florir o espírito.
À tona da sua face se moverão as águas,
dentro da sua face estará a pedra da
noite.
- Então cantarei a exaltante alegria da
morte.
Nem sempre me incendeiam o acordar das ervas
e a estrela
despenhada de sua órbita viva.
- Porém, tu sempre me incendeias.
Esqueço o arbusto impregnado de silêncio
diurno, a noite
imagem pungente
com seu deus esmagado e ascendido.
- Porém, não te esquecem meus corações de
sal e de brandura.
Entontece meu hálito com a sombra,
tua boca penetra a minha voz como a espada
se perde no arco.
E quando gela a mãe em sua distância
amarga, a lua
estiola, a paisagem regressa ao ventre, o
tempo
se desfibra - invento para ti a música, a
loucura
e o mar.
Toco o peso da tua vida: a carne que
fulge, o sorriso,
a inspiração.
E eu sei que cercaste os pensamentos com
mesa e harpa.
Vou para ti com a beleza oculta,
o corpo iluminado pelas luzes longas.
Digo: eu sou a beleza, seu rosto e seu
durar. Teus olhos
transfiguram-se, tuas mãos descobrem
a sombra da minha face. Agarro tua cabeça
áspera e luminosa, e digo: ouves, meu
amor?, eu sou
aquilo que se espera para as coisas, para
o tempo -
eu sou a beleza.
Inteira, tua vida o deseja. Para mim se
erguem
teus olhos de longe. Tu própria me duras
em minha velada beleza.
Então sento-me à tua mesa. Porque é de ti
que me vem o fogo.
Não há gesto ou verdade onde não dormissem
tua noite e loucura,
não há vindima ou água
em que não estivesses pousando o silêncio
criador.
Digo: olha, é o mar e a ilha dos mitos
originais.
Tu dás-me a tua mesa, descerras na
vastidão da terra
a carne transcendente. E em ti
principiam o mar e o mundo.
Minha memória perde em sua espuma
o sinal e a vinha.
Plantas, bichos, águas cresceram como religião
sobre a vida - e eu nisso demorei
meu frágil instante. Porém
teu silêncio de fogo e leite repõe
a força maternal, e tudo circula entre teu
sopro
e teu amor. As coisas nascem de ti
como as luas nascem dos campos fecundos,
os instantes começam da tua oferenda
como as guitarras tiram seu início da
música nocturna.
Mais inocente que as árvores, mais vasta
que a pedra e a morte,
a carne cresce em seu espírito cego e
abstracto,
tinge a aurora pobre,
insiste de violência a imobilidade
aquática.
E os astros quebram-se em luz sobre
as casas, a cidade arrebata-se,
os bichos erguem seus olhos dementes,
arde a madeira - para que tudo cante
pelo teu poder fechado.
Com minha face cheia de teu espanto e
beleza,
eu sei quanto és o íntimo pudor
e a água inicial de outros sentidos.
Começa o tempo onde a mulher começa,
é sua carne que do minuto obscuro e morto
se devolve à luz.
Na morte referve o vinho, e a promessa
tinge as pálpebras
com uma imagem.
Espero o tempo com a face espantada junto
ao teu peito
de sal e de silêncio, concebo para minha
serenidade
uma ideia de pedra e de brancura.
És tu que me aceitas em teu sorriso, que
ouves,
que te alimentas de desejos puros.
E une-se ao vento o espírito, rarefaz-se a
auréola,
a sombra canta baixo.
Começa o tempo onde a boca se desfaz na
lua,
onde a beleza que transportas como um peso
árduo
se quebra em glória junto ao meu flanco
martirizado e vivo.
- Para consagração da noite erguerei um
violino,
beijarei tuas mãos fecundas, e à madrugada
darei minha voz confundida com a tua.
Oh teoria de instintos, dom de inocência,
taça para beber junto à perturbada
intimidade
em que me acolhes.
Começa o tempo na insuportável ternura
com que te adivinho, o tempo onde
a vária dor envolve o barro e a estrela,
onde
o encanto liga a ave ao trevo. E em sua
medida
ingénua e cara, o que pressente o coração
engasta seu contorno de lume ao longe.
Bom será o tempo, bom será o espírito,
boa será nossa carne presa e morosa.
- Começa o tempo onde se une a vida
à nossa vida breve.
Estás profundamente na pedra e a pedra em
mim, ó urna
salina, imagem fechada em sua força e
pungência.
E o que se perde de ti, como espírito de
música estiolado
em torno das violas, a morte que não beijo,
a erva incendiada que se derrama na íntima
noite
- o que se perde de ti, minha voz o renova
num estilo de prata viva.
Quando o fruto empolga um instante a
eternidade
inteira, eu estou no fruto como sol
e desfeita pedra, e tu és o silêncio, a
cerrada
matriz de sumo e vivo gosto.
- E as aves morrem para nós, os luminosos
cálices
das nuvens florescem, a resina tinge
a estrela, o aroma distancia o barro
vermelho da manhã.
E estás em mim como a flor na ideia
e o livro no espaço triste.
Se te apreendessem minhas mãos, forma do
vento
na cevada pura, de ti viriam cheias
minhas mãos sem nada. Se uma vida
dormisses
em minha espuma,
que frescura indecisa ficaria no meu
sorriso?
- No entanto és tu que te moverás na
matéria
da minha boca, e serás uma árvore
dormindo e acordando onde existe o meu
sangue.
Beijar teus olhos será morrer pela
esperança.
Ver no aro de fogo de uma entrega
tua carne de vinho roçada pelo espírito de
Deus
será criar-te para luz dos meus pulsos e
instante
do meu perpétuo instante.
- Eu devo rasgar minha face para que a tua
face
se encha de um minuto sobrenatural,
devo murmurar cada coisa do mundo
até que sejas o incêndio da minha voz.
As águas que um dia nasceram onde marcaste
o peso
jovem da carne aspiram longamente
a nossa vida. As sombras que rodeiam
o êxtase, os bichos que levam ao fim do
instinto
seu bárbaro fulgor, o rosto divino
impresso no lodo, a casa morta, a montanha
inspirada, o mar, os centauros do
crepúsculo
- aspiram longamente a nossa vida.
Por isso é que estamos morrendo na boca
um do outro. Por isso é que
nos desfazemos no arco do verão, no
pensamento
da brisa, no sorriso, no peixe,
no cubo, no linho, no mosto aberto
- no amor mais terrível do que a vida.
Beijo o degrau e o espaço. O meu desejo
traz
o perfume da tua noite.
Murmuro os teus cabelos e o teu ventre, ó
mais nua
e branca das mulheres. Correm em mim o
lacre
e a cânfora, descubro tuas mãos, ergue-se
tua boca
ao círculo de meu ardente pensamento.
Onde está o mar? Aves bêbedas e puras que
voam
sobre o teu sorriso imenso.
Em cada espasmo eu morrerei contigo.
E peço ao vento: traz do espaço a luz
inocente
das urzes, um silêncio, uma palavra;
traz da montanha um pássaro de resina, uma
lua
vermelha.
Oh amados cavalos com flor de giesta nos
olhos novos,
casa de madeira do planalto,
rios imaginados,
espadas, danças, superstições, cânticos,
coisas
maravilhosas da noite. Ó meu amor,
em cada espasmo eu morrerei contigo.
De meu recente coração a vida inteira
sobe,
o povo renasce,
o tempo ganha a alma. Meu desejo devora
a flor do vinho, envolve tuas ancas com
uma espuma
de crepúsculos e crateras.
Ó pensada corola de linho, mulher que a
fome
encanta pela noite equilibrada,
imponderável -
em cada espasmo eu morrerei contigo.
E à alegria diurna descerro as mãos. Perde-se
entre a nuvem e o arbusto o cheiro acre e
puro
da tua entrega. Bichos inclinam-se
para dentro do sono, levantam-se rosas
respirando
contra o ar. Tua voz canta
o horto e a água - e eu caminho pelas ruas
frias com
o lento desejo do teu corpo.
Beijarei em ti a vida enorme, e em cada
espasmo
eu morrerei contigo.
Herberto Helder
A Equipa
Dinamizadora da Biblioteca Escolar