Os livros são entidades que, desde criança, influenciaram o meu modo de encarar situações (problemas, dilemas…) deixando, sistematicamente, um vinco de euforia e inspiração no meu cérebro esponjoso que por vezes me impede de dormir em condições. Aquela semente de ideia fresca e impossível (ou não…) que é plantada no cerne da minha mente fá-la vaguear por um mundo imaterial, ao qual chamamos de subconsciente. Ler um livro é rir, pular, insultar e cantar uma batalhada de sons mentirosos (ou não…) em silêncio. É este constante tropel de sensações que prende qualquer espírito sonhador num labirinto perpétuo de maravilhas enquanto dormimos (ou pior…quando ainda estamos acordados…!); é uma deambulação tão frenética que quando me levanto de manhã já me sinto cansada.
Já li alguns livros de diversos géneros: ficção, romances históricos, livros científicos, policiais, livros com escrita literária, outros com um não sei quê de jornalístico; muitos destes livros são do séc. XXI, outros do séc. XX, tais como: O Nome da Rosa, de Umberto Eco, Fernão Capelo Gaivota, de Richard Bach, O Velho e o Mar, de Ernest Hemingway, As Brumas de Avalon, de Marion Zimmer Bradley. Não obstante, tenho um especial interesse por livros um pouco menos recentes – livros do séc. XIX, como Os Maias, de Eça de Queirós, Quo Vadis, de Sienkiwicz, entre outros.
Contudo, tenho fascínio ainda maior por dois livros que foram escritos há cerca de três mil anos atrás: são eles a Ilíada e a Odisseia, de Homero. Nunca aprendi tanto com um livro como com estes dois clássicos.
A Ilíada é um livro muito violento, muito pesado. Digo isto não só pelo facto de se passar em tempo de plena guerra, de descrever mortes horrendas com um detalhe exactíssimo, ou de relatar autênticas tragédias familiares, mas também (e principalmente) pela componente psicológica, pelos testes psicológicos a que algumas das personagens como Heitor, Aquiles, Ulisses, Agamémnon ou Andrómaca são sujeitos, constantemente. É muito interessante ver como cada um deles reage quando se encontra sob pressão: Heitor é sensato, heróico, é o guerreiro ideal, o líder ideal; Aquiles é muito impulsivo, mas honrado; Ulisses pensa, congemina sempre qualquer dolo, domina a arte das palavras, tem uma grande inteligência emocional; Agamémnon é um homem que quando está sob pressão simplesmente congela ou se deixa levar como vítima da sua própria imprudência; Andrómaca enfrenta a verdade, as consequências, sem medo, pensa, raciocina, aconselha. As personagens deparam-se, frequentemente, com dilemas, os quais muitas das vezes se me verificaram impossíveis de ultrapassar, mas que, sendo líderes ou personalidades de relevo, tinham de resolver; é muito interessante ver como lhes dão a volta, quem protegem, como pensam e o que no fim transmitem aos que os rodeiam, como encorajam o exército, como se sacrificam ou como sofrem quando não têm escolha senão sacrificar alguém. É doloroso.
Muitas das situações descritas, circunstâncias em que as personagens são colocadas, dilemas, muitos dos problemas que as afectam são os mesmos com que também nos deparamos na actualidade. Nunca aprendi tanto com um livro. É um livro intemporal. À medida que o lia surgiam questões, como por exemplo: O que é que ele realmente quer dizer? Ele disse isto para o proteger ou foi coincidência? Porque é que ele fez isso?. – chama-se a isto “ler nas entrelinhas”; Ulisses funciona muito assim, exigindo muita atenção por parte do leitor a cada uma das palavras que profere. Para além disso, existe ainda a componente estratégica, o raciocínio, o poder da retórica, o “como dar a volta às questões”, a arte da persuasão, o dolo, o sacrifício, a autodisciplina, a frustração, o esgotamento psicológico, a tentação de desistir. Situações actuais. A esta componente intensa e sangrenta associa-se uma componente colorida: relatam-se acontecimentos históricos aos quais se juntam os deuses gregos, que trazem, em algumas situações, a comédia: a relação entre Zeus e Hera, o modo como a esposa engana o marido para ter aquilo que quer sem ele nunca dar conta (“os homens são seres muito simples…”); cresce no leitor uma amizade especial por Atena, a auxiliadora dos mortais.
A Odisseia é diferente da Ilíada, assemelhando-se mais a esta última sua componente: é muito colorida e menos pesada. Conta a jornada de um homem incrivelmente inteligente, Ulisses, que ao longo da sua saga vai encontrando sempre mulheres bonitas e argutas, capazes de acompanhar os seus jogos mentais estratégicos. Assisti a relações muito interessantes entre ele e as diferentes mulheres, a grande maioria mulheres perigosas que o tentam reter ou matar. É muito curioso ver como eles se entendem entre si, como jogam bem com as palavras, como comunicam por entrelinhas e não abertamente. É também um jogo interessante para o leitor, como foi já mencionado, que terá de prestar muita atenção às palavras usadas e interrogar-se (O que é que ele lhe está mesmo a dizer?). A Odisseia é, então, um livro mais leve, com muitos episódios divertidos, ora de amores, ora de artimanhas, todavia Ulisses e os seus companheiros deparam-se, como não podia deixar de ser, com verdadeiras tragédias, verdadeiros dilemas, situações em que a autodisciplina é, provavelmente, o factor chave. - A Odisseia tem, de igual modo, uma componente negra e trágica. Como na Ilíada, é posto em evidência o sofrimento, o sacrifício, as decisões difíceis que Ulisses acarreta como líder; notam-se pontos muito subtis e curiosos no seu modo de pensar e de liderar e de comunicar. Por vezes, interrogava-me: Será que agiria daquele modo se estivesse no lugar de Ulisses? Será que foi a melhor decisão?
À medida que lia, aprendia e aprendia e aprendia mais. Aprendi a lidar com situações delicadas, situações estas que se assemelham muito a circunstâncias do mundo actual. É um entrançado de mundos.
São livros humanos, em que a relação entre os companheiros, com as mulheres e com os deuses influenciam todas as decisões e acções executadas, que se repercutem sempre em alguém. Vivemos todos ligados uns aos outros.
São versos historiados, frutos de arte humana, que ainda hoje nos falam num mudo discurso que modula vidas.
Joana Lopes nº15 11º1